Soniloquência
Nunca, em seus dezesseis anos, havia visto alguém como ela.
Não, ela não era a beldade em pessoa; tinha a aparência bem comum se comparada com outras garotas de sua escola. Seu cabelo era castanho escuro; suas madeixas escorriam pelas costas como uma cachoeira em perfeita sincronia. Quando sorria, as curvas de seu lábio levemente se movimentavam resultando no formato de um "U"perfeito. Seus olhos, não compreendia, estavam sempre cintilantes e dilatados; era impossível ler as emoções exprimidas em seu olhar.
Três meses haviam decorrido desde o primeiro olhar trocado; um desde o primeiro "oi" e duas semanas desde o breve, mas excitante toque de mãos. A partir daí, eles se tornaram bons amigos.
Aos nove anos, ele aprendera com a mãe que palavras eram o meio de conquistar o coração de uma dama. Ela era a sua dama, e com palavras a conquistaria.
Olhou no relógio de seu celular. Faltavam quinze minutos para o término da entediante aula de geometria.
Ela, sentada na carteira ao lado da dele, esgueirou-se discretamente e arremessou um papelzinho dobrado na sua carteira. Ele abriu o papel.
"Não se esqueça que amanhã é o dia do seminário. P.S: faltam poucos minutos para ir para casa, não ouse dormir agora!"
Ele sorriu. Mas o cansaço e o sono foram derrotando-o, e sentindo-se vencido, cruzou os braços sobre a mesa, aconchegou sua cabeça no ninho que seus braços formaram, e em menos de cinco minutos já estava no mundo dos sonhos.
Visualizou-se em seu próprio quarto, escrevendo uma carta de amor para a garota que nunca saia de seus pensamentos.
" Minha preciosa,
Prove-me que o impossível é possível: dê-me a honra de ser chamado de teu.
Teu sorriso é a minha alegria, tua lágrima é o meu sofrimento, tua indiferença é o meu medo.
Julieta, minha rosa, seja minha!"
...
Abrindo os olhos vagarosamente, a imagem ainda borrada, bocejou. Puxa, a sala se encontrava vazia! A voz estridente que há uma hora tagarelava sobre matemática já não ecoava mais pela sala. Riu ao lembrar-se de um dia, na aula do mesmo professor, quando ele havia cochilado por um instante, e quando despertou, a classe estava gargalhando. Um colega contou-o mais tarde que ele havia narrado seu sonho em voz alta para a classe durante o sono. Ele era soníloquo desde a infância. Traduzindo: falava durante o sono.
Com a visão já nítida, avistou a cintura feminina de alguém. Seus olhos foram subindo o corpo da intrusa.
"Julieta! O que está fazendo aqui? Não foi para casa?", ele disse afobadamente, seus olhos esbugalhados.
Falar durante o sono já o havia metido em situações constrangedoras. Será que ele havia falado desta vez? Se sim, havia falado demais?
Ela nada disse. O silêncio pairou na sala. 1,2,3,4,5 segundos.
Ela deu um passo a frente, aproximando-se da carteira dele. Suas costas foram se curvando vagarosamente. Ela o encarou. Ele a encarou, mas logo desviou os olhos, tímido, quando foi surpreendido pelos lábios doces dela.
Os dois fecharam os olhos. Ele pousou uma das mãos na bochecha dela.
Enfim, as duas bocas se separara. Ela o olhou firmemente, com as bochechas rosadas, e falou:
"Sou tua, Romeu."